domingo, 30 de janeiro de 2011

GAIA - O PLANETA VIVO


James E. Lovelock
Novas evidências científicas mostram, a cada dia, que de fato a Terra é um superorganismo, dotado de auto-regulação. Como partes desses sistemas, porém, temos responsabilidade individual em mantê-la viva e saudável para as futuras gerações.
A idéia de que a Terra é viva pode ser tão velha quanto a humanidade. Os antigos gregos deram-lhe o poderoso nome de Gaia e tinham-na por deusa. Antes do século 19, até mesmo os cientistas sentiam-se confortáveis com a noção de uma Terra viva. Segundo o historiador D. B. McIntyre (1963), James Hutton, normalmente conhecido como o pai da geologia, disse numa palestra para a Sociedade Real de Edimburgo na década de 1790 que considerava a Terra um superorganismo e que seu estudo apropriado seria através da fisiologia. Hutton foi mais adiante e fez a analogia entre a circulação do sangue, descoberta por Harvey, e a circulação dos elementos nutrientes da Terra, e a forma como o sol destila água dos oceanos para que torne a cair como chuva e refresque a terra.
Essa visão holística de nosso planeta não persistiu no século seguinte. A ciência estava se desenvolvendo rapidamente e logo se fragmentou numa coletânea de profissões quase independentes. Tornou-se província do especialista, e pouco de bom se podia dizer acerca do raciocínio interdisciplinar. Não se podia fugir de tal introspecção. Havia tanta informação a ser coletada e selecionada! Compreender o mundo era tarefa tão difícil quanto montar um quebra-cabeça do tamanho do planeta. Era difícil demais perder a noção da figura enquanto se procurava e separava as peças.
Quando, há alguns anos, vimos as fotografias da Terra tiradas do espaço, tivemos um vislumbre do que estávamos tentando modelar. Aquela visão de estonteante beleza; aquela esfera salpicada de azul e branco mexeu com todos nós, não importa que agora seja apenas um clichê visual. A noção de realidade de compararmos a imagem mental que temos do mundo com aquela que percebemos através de nossos sentidos. É por isso que a visão que os astronautas tiveram da Terra foi tão perturbadora. Mostrou-nos a que distância estávamos afastados da realidade.
A Terra também foi vista do espaço pelos olhos mais discernentes dos instrumentos, e foi esta ótica que confirmou a visão que James Hutton teve de um planeta vivo. Vista à luz infravermelha, a Terra é uma anomalia estranha e maravilhosa entre os outros planetas do Sistema Solar. Nossa atmosfera, o ar que respiramos mostrou-se escandalosamente fora de equilíbrio, quimicamente falando. É como a mistura de gases que penetra no coletor de um motor de combustão interna, ou seja, hidrocarbonetos e oxigênio misturados, enquanto nossos parceiros mortos Marte e Vênus têm atmosferas de gases exauridos por combustão.
A composição inortodoxa da atmosfera emite um sinal tão forte na faixa infravermelha que poderá ser reconhecido por uma espaçonave a grande distância do Sistema Solar. As informações que ele transporta são evidência à primeira vista da presença da vida. Porém, mais do que isso, se a atmosfera instável da Terra foi capaz de persistir e não se tratava de um evento casual, então isto significaria que o planeta está vivo - pelo menos até o ponto em que compartilha com outros organismos vivos a maravilhosa propriedade da homeostase, a capacidade de controlar sua composição química e se manter bem quando o ambiente externo está mudando.
Quando, baseado nessa evidência, eu trouxe novamente à baila a visão de que nos encontrávamos sobre um superorganismo - e não uma mera bola de pedra -, o argumento não foi bem recebido. Muitos cientistas o ignoraram ou criticaram sobre a base de que não era necessário explicar os fatos da Terra. Conforme disse o geólogo H. D. Holland: "Vivemos numa Terra que é o melhor dos mundos somente para aqueles que estão bem adaptados ao seu estado vigente". O biólogo Ford Doolittle (1981) disse que para manter a Terra em estado constante favorável à vida precisaríamos prever e planejar, e que nenhum estado desse tipo conseguiria evoluir através da seleção natural. Em suma, disseram os cientistas, a idéia era teleológica e intestável. Dois cientistas, entretanto, pensaram de forma diferente; um deles foi a eminente bióloga Lynn Margulis e o outro o geoquímico Lars Sillen. Lynn Margulis foi minha primeira colaboradora (Margulis e Lovelock, 1974). Lars Sillen morreu antes que houvesse uma oportunidade. Foi o romancista William Golding (comunicação pessoal, 1970) quem sugeriu usar o poderoso nome Gaia para a hipótese que supunha estar viva a Terra.
Nos últimos 10 anos, tais críticas foram rebatidas - por um lado devido a novas evidências e por outro devido a um simples modelo matemático chamado Daisy World. Nele, o crescimento competitivo de plantas de coloração clara e outras de coloração escura em um mundo mágico mostra-se mantenedor do clima planetário constante e confortável face à grande mudança na emissão de calor da estrela do planeta. O modelo é bastante homeostático e pode resistir a grandes perturbações não apenas na emissão de calor como também na população vegetal. Ele se comporta como um organismo vivo, mas não são necessárias previsões ou planejamentos para sua operação.
As teorias científicas não são julgadas tanto por estarem certas ou erradas quanto o são pelo valor de suas previsões. A teoria de Gaia já se mostrou tão frutífera nestes termos que por ora pouco importaria se estivesse errada. Um exemplo, tirado dentre tantas previsões, foi a sugestão de que o composto sulfeto de dimetilo seria sintetizado por organismos marinhos em larga escala para servir de portador natural de enxofre do oceano para a terra. Sabia-se na época que alguns elementos essenciais à vida, como o enxofre, eram abundantes nos oceanos, mas encontravam-se em processo de exaustão em pontos da superfície da Terra. Segundo a teoria de Gaia, seria necessário um portador natural, e foi previsto o sulfeto de dimetilo. Agora sabemos que este composto é de fato o portador natural do enxofre, mas, na ocasião em que a previsão foi feita, buscar um composto tão incomum assim no ar e no mar teria ido de encontro à sabedoria convencional. É improvável que tivessem ido buscar sua presença não fosse pelo estímulo da teoria de Gaia.
A teoria de Gaia vê a biota e as rochas, o ar e os oceanos como existência de uma entidade fortemente conjugada. Sua evolução é um processo único, e não vários processos separados estudados em diferentes prédios de universidades. Ela tem um significado profundo para a biologia. Afeta até a grande visão de Darwin, pois talvez não seja mais suficiente dizer que os indivíduos que deixarem a maior prole terão êxito. Será necessário acrescentar a cláusula de que podem conseguir contanto que não afetam adversamente o meio ambiente.
A teoria de Gaia também amplia a ecologia teórica. Colocando-se as espécies e o meio ambiente juntos, algo que nenhum ecologista teórico fez, a instabilidade matemática clássica de modelos de biologia populacional está curada.
Pela primeira vez temos, a partir desses modelos novos, modelos geofisiológicos, uma justificativa teórica para a diversidade, para a riqueza rousseauniana de uma floresta tropical úmida, para o emaranhado banco darwiniano. Esses novos modelos ecológicos demonstram que, à medida que aumenta a diversidade, também aumentam a estabilidade e a resiliência. Agora podemos racionalizar a repugnância que sentimos pelos excessos dos negócios agrícolas. Finalmente temos uma razão para nossa ira contra a eliminação insensata de espécies e uma resposta para aqueles que dizem tratar-se de um mero sentimentalismo.
Não precisamos mais justificar a existência de florestas tropicais úmidas sobre as bases precárias de que elas podem conter plantas com drogas capazes de curar doenças humanas. A teoria de Gaia nos força a ver que elas oferecem muito mais que isso. Dada sua capacidade de evapotranspirar enormes volumes de vapor d'água, elas servem para refrescar o planeta propiciando-lhe a proteção solar de nuvens brancas refletoras. Sua substituição por lavoura poderia precipitar um desastre em escala global.
Um sistema geofisiológico sempre começa com a ação de um organismo individual. Se esta ação for localmente benéfica para o meio ambiente, ela então poderá se difundir até que acabe resultando um altruísmo global. Gaia sempre opera assim para atingir seu altruísmo. Não há previsão ou planejamento envolvido. O inverso também é verdadeiro, e qualquer espécie que afete o meio ambiente desfavoravelmente está sentenciada, mas a vida continua. Será que isto se aplica aos seres humanos agora? Estaremos fadados a precipitar uma mudança do atual estado confortável da Terra para um quase certamente desfavorável para nós porém confortável para a biosfera de nossos sucessores? Por sermos conscientes, há alternativas, tanto boas quanto más. Por certos caminhos, o pior destino que nos aguarda é sermos alistados como os médicos e as enfermeiras de um planeta geriátrico com a infindável e intangível tarefa de buscar eternamente tecnologias capazes de mantê-lo adequado ao nosso tipo de vida - algo que até bem pouco tempo atrás recebíamos gratuitamente por sermos uma parte de Gaia.
A filosofia de Gaia não é humanista. Mas, sendo avô de oito netos, eu preciso ser otimista. Vejo o mundo como um organismo vivo do qual somos parte; não os donos, não os inquilinos, sequer os passageiros. Explorar esse mundo na escala que fazemos seria tão tolo quanto considerar supremo o cérebro e dispensáveis as células de minerar nosso fígado em busca de nutrientes para algum benefício de curta duração?
Por sermos habitantes de cidades, ficamos obcecados pelos problemas humanos. Até mesmo os ambientalistas parecem mais preocupados com a perda de um ano de expectativa de vida devido ao câncer do que com a degradação do mundo natural através do desmatamento ou dos gases do efeito estufa - algo que poderia causar a morte de nossos netos. Estamos tão alienados do mundo da natureza que poucos somos os que conhecemos os nomes das flores e dos insetos selvagens das localidades onde vivemos ou percebemos a rapidez de sua extinção.
Gaia funciona a partir do ato de um organismo individual que se desenvolve até o altruísmo global. Envolve ação em nível pessoal. Você bem pode perguntar: "E o que posso fazer?" Quando procuro agir pessoalmente em favor de Gaia através da moderação, acho útil pensar em três elementos mortais: combustão, gado e motoserra. Devem existir muitos outros.
Uma coisa que você pode fazer, e isto não passa de um exemplo, é comer menos carne de boi. Agindo assim, e se os médicos estiverem certos, você poderá estar fazendo um bem a si próprio; ao mesmo tempo, poderá estar reduzindo as pressões sobre as florestas dos trópicos úmidos. Ser egoísta é humano e natural. Mas se preferirmos ser egoístas no caminho correto, então a vida pode ser rica e ainda assim consistente com um mundo adequado para os nossos netos, bem como para os netos de nossos parceiros em Gaia.
(O texto aqui apresentado constitui um excerto do capítulo 56 do livro Biodiversidade, organizado por E. O. Wilson. Lançada recentemente no Brasil pela Editora Nova Fronteira, a obra reúne artigos apresentados no Fórum Nacional Sobre Biodiversidade, realizado em Washington no ano de 1986 e que reuniu alguns dos maiores especialistas mundiais ligados à questão da biodiversidade. A tradução é de Marcos Santos e Ricardo Silveira).

sábado, 29 de janeiro de 2011

Ecologia Doméstica Prática

* Limpar Tudo: Solução de 4 colheres de sopa de bicarbonato de sódio em um litro de água morna. Adicione uma colher de sopa de vinagre branco, ou suco de limão, para dissolver a gordura.
* Desentupir pia: Jogue no ralo um punhado de bicarbonato de sódio, algumas colheres de vinagre branco e água fervente.
* Limpar vidro: Passe uma solução com água e vinagre, e depois use jornal para dar brilho.
* Desodorizante de ambiente: 4 colheres de sopa de vinagre num pratinho colocado sob um móvel. As plantas também funcionam como ótimos purificadores do ar.
* Para encerar: Misturar uma parte de óleo vegetal, como a linhaça, com outra parte de suco de limão ou vinagre, e aplique com uma flanela.
* Para lustrar móveis: Fazer uma solução de uma parte de suco de limão e duas partes de óleo vegetal. Dê brilho com uma flanela.
* Desinfetante sanitário: Misturar bicarbonato de sódio com vinagre.
* Adubo natural: Um verdadeiro adubo para as plantas pode ser obtido com
substâncias normalmente desprezadas e desperdiçadas. A água que cozinha as batatas (sem sal e fria), a água da lavagem do arroz, os restos de chá preto, borra do café – tudo isso funciona como um excelente adubo. Da mesma maneira, as cascas de batata e de cenoura podem ser colocadas diretamente nos vasos para ajudar o desenvolvimento das plantas.

* Pesticida natural: Ferver folhas de ruibarbo, durante meia hora, em quatro litros de água. Acrescentar uma colher de chá de sabão de coco, para a stura
aderir às folhas e expulsar os pulgões.

* Tira ruído : Se a porta estiver rangendo, faça uma mistura de raspa de rafite
(ponta de lápis) e algumas gotas de óleo de cozinha. Coloque aos poucos nas
dobradiças, fazendo um movimento de abrir e fechar a porta, para que a mistura penetre bem nas dobradiças.

* Tira manchas: Manchas de gordura são retiradas com uma mistura de água quente com sabão e umas gotas de detergente (de preferência, biodegradável). Lavar e, se restar algum vestígio, polvilhar talco e deixar por algumas horas; esfregar um pedaço de cebola também resolve. Manchas de frutas e doces desaparecem com álcool ou vinagre branco, e manchas de tinta de escrever devem ser lavadas com leite. Na falta do leite, também pode ser usado um punhado de sal umedecido com
limão e colocado sobre a mancha, lavando-se em seguida. Mancha de café
desaparece esfregando imediatamente, e com paciência, uma pedrinha de gelo até que a mancha suma.

* Espantar moscas e mosquitos: Folhas de louro, eucalipto e manjericão,
maceradas em água ou espalhadas pelo ambiente.

* Evitar traças: Usar cânfora, em vez de naftalina. É tão eficiente e menos
tóxica.

* Afastar pulgas: Lavar os animais de estimação com água e sabonete (de
preferência, feito com óleo de neem, que possui uma ação repelente sem ser
tóxica). Enxugar. Aplicar a seguinte solução para manter as pulgas à distância: 2 colheres de sopa de alecrim fervidas em um litro de água. Espalhar também pela casa folhas de erva-de-Santa-Maria e poejo.

* Afastar os parasitas das plantas: Colocar no liquidificador 3 cebolas, 1
cabeça de alho, 2 pimentas-malagueta e 1 colher de sabão em barra. Bater com meio litro de água e espalhar esta mistura nas plantas. Pode-se também colocar alguns dentes de alho em um pouco de água (se possível, de chuva) e deixar impregnar por cerca de dez dias. Usar, então, em um spray, para pulverizar as plantas.

* Pasta de limpeza: Em vez de desperdiçar os restos de sabão (de referência,
biodegradável), reaproveite-os em uma excelente pasta de limpeza. Basta deixar os restos de sabão de molho em um pouco de água (o necessário para formar uma pasta) e, depois, misturar uma colher de vinagre e duas colheres de açúcar. Está pronta sua pasta de limpeza!

* Tira umidade: Coloque um recipiente com pedaços de carvão no fundo dos
armários, ou então pendure pedaços de giz. Sempre com o cuidado de não sujar as roupas.

* Fórmula mágica: A velha combinação de água quente e sabão (de preferência, biodegradável) continua sendo o melhor detergente. Ela limpa pisos de cerâmica, ladrilhos e azulejos, tira manchas de parede e a gordura das superfícies. E, melhor ainda, não ajuda a poluir a Terra.
- Evite a indústria dos descartáveis: prefira o coador de pano, os alimentos
fora das bandejas de isopor, o copo de vidro, o guardanapo de pano, enfim, todo produto que se use, lave e use novamente, em vez de jogar fora. Assim, você economiza os recursos da natureza e diminui a quantidade de lixo, um dos grandes problemas do nosso tempo;


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A TERRA E A MULHER

 - Josina Roncisvalle & Lais Mourão

"O grande espírito traz a marca do feminino. Foi-lhe dado um ventre que concebe e dá à luz." Jung Falar do feminino não significa discorrer apenas sobre questões concernentes à mulher. Ao contrário, falaremos aqui de uma cultura patriarcal que negou aos humanos algumas manifestações legítimas de sua natureza, engessando homens e mulheres em espaços sociais e culturais patológicos, onde estão impedidos de vivenciar e expandir criativamente suas necessidades psico-espirituais mais profundas.

Num primeiro momento, discutir as questões do feminino pode parecer um tema extremamente óbvio quando se tem alguma leitura, ainda que superficial, haja vista que há pelo menos três décadas as mulheres queimaram sutiãs em praça pública, numa atitude simbólica de rejeitar os enquadramentos que lhes eram impostos desde alguns séculos. A partir desse ponto, muita coisa foi produzida e essa discussão tomou ares do corriqueiro.

Entretanto, tão logo nos aventuramos a discorrer sobre o assunto, nos deparamos com componentes tão vários que toda a segurança anterior se vê fragilizada, face às excessivas conexões que nos aguardam a cada passo.

A questão do feminino está entre aqueles temas que não se prestam tão facilmente a uma discussão, porque se situam no fundamento da cultura, para além daquilo que é imediatamente manifesto. Esse é um assunto basilar, constitutivo do próprio fundamento de onde tudo deriva, a trama primeira sobre a qual os outros fios são dispostos. De certa forma, pode-se dizer que tais temas nos possuem e nos dirigem e são insuficientemente visíveis, pois estão submersos por nossas criações. Talvez se possa dizer que é a partir dessas imagens primordiais, como a da Terra-Mãe, que todo o nosso imaginário é montado, em camadas, uma mesma idéia se diferenciando em inúmeras variações, vinculadas, entretanto, àquele desenho elementar, e que só ao olhar acurado ela se revela.

Na verdade, as nossas relações com o mundo, de modo geral, são reflexo da nossa relação com essas imagens primordiais, destacando-se, entre elas, a Terra e o Feminino. Tudo o mais seria como um jogo de espelhos, em que nos perdemos com imensa facilidade. De forma que, ao contrário do que é sugerido de imediato, uma visão cabal do feminino não se tece sem uma enormidade de elementos e, pelo menos para começar, torna-se imprescindível escolher uma fresta apenas, para olhar esse complexo quadro sem tanta dispersão.

O simbolismo da Terra pode nos fornecer um paradigma seguro para o feminino, porque sobre ela lançamos nossas raízes, dela viemos, dela nos nutrimos. Há todo um paralelo entre a Terra e o Feminino. E, uma vez que mantemos relações bem materiais com ela, é possível que, a partir de um escrutínio dessas relações, possamos explicitar melhor o lugar ocupado pela mulher em nossa cultura. A Terra, pois, será um bom ponto de partida para uma investigação rica do feminino, quanto mais que essa identidade, em outros tempos, promoveu um desenvolvimento harmônico em muitas sociedades.

Portanto, não partimos de uma idéia original. Muito pelo contrário, essa é uma visão que remonta a alguns milhares de anos, cultivada e vivenciada por nossos ancestrais em culturas das quais restam apenas o que a arqueologia consegue resgatar. É para com essas culturas que nos tornamos devedores. E, ao lado delas, para com algumas outras poucas sobreviventes, ditas primitivas, pouco influenciadas e pouco influentes no nosso mundo industrializado e globalizado.

Investigando sobre alguns povos do passado, podemos ver que suas relações com a Terra eram de filhos para mãe. As culturas eminentemente agrárias, no Neolítico, tinham em seus cultos religiosos a figura da Terra como divindade máxima, a Deusa Mãe. Era ela a geratriz e mantenedora de tudo o que era vivo. O corpo da terra era o próprio corpo da Deusa. Desse fio teciam-se todas as relações sociais, os sistemas políticos, econômicos, a arte, enfim todas as produções humanas.

As antigas civilizações agrárias do Mediterrâneo alcançaram níveis extraordinários de organização e riqueza. Porém, a certa altura, essas culturas foram invadidas por tribos nômades vindas do norte, de povos pastores e guerreiros. O processo de ocupação dessas sociedades agrárias pelos invasores resultou na destruição dos valores dessas culturas, que eram essencialmente pacíficas.

A partir daí, gradativamente, foi-se construindo essa civilização ocidental da qual somos herdeiros. Daqueles povos antigos, o Egito, graças a seu isolamento pelos desertos, foi o território que mais se preservou de tais invasões. Mas é nas ruínas de Creta que vamos encontrar os mais ricos vestígios desses povos, em cujo seio o culto à deusa Mãe Terra alcançou grande apogeu e pôde sobreviver por mais longo tempo, deixando traços ainda hoje detectáveis em nossas festas populares, folclore e cultos religiosos.

O ponto alto dessas culturas agrárias era a relação de sacralidade com a natureza. A Terra, a grande matriz, mãe de todos os deuses, era respeitada em todos os seus ciclos. Obedecia-se, de fato, às necessidades da Terra e ela correspondia. Produzia e descansava, doava e era gratificada por isso, em forma de festas e cuidados. As atitudes humanas eram orientadas pela concepção de que a Terra era um ser vivo, com suas demandas e suas necessidades. Acima de tudo, com sua dadivosidade.

As contrapartidas dos humanos eram a gratidão e a reverência. O arado, que feria a terra para o plantio, era o grande falo que a penetrava e o instinto religioso gerava grandes rituais para pedir licença antes de fertilizá-la com uma nova semente. Para nossos ancestrais agricultores, os primeiros frutos das colheitas não eram avidamente apropriados pelo homem, nem vendidos nas feiras ou antecipados às bolsas de mercadorias. Eram doados de volta à Mãe Terra, cerimonialmente, acompanhados de cantos e danças, celebrações das quais sobreviveram apenas pálidas recordações profanas.

Nesse contexto, a mulher era a própria imagem da Deusa Terra, que, à sua semelhança, emprestava seu corpo para a fertilização, a criação e a nutrição da vida. São dessa época as inúmeras imagens da deusa Terra representada com corpo de mulher: deusas grávidas, deusas amamentando o filho, deusas vingativas, deusas eróticas com seu triângulo púbico a indicar a fertilidade.

Para os sumérios, a deusa Inana era uma representação do planeta Vênus e a relação de seus ciclos com períodos favoráveis de plantio era bem conhecida.

Assentadas nesse fundamento, essas culturas privilegiavam a arte, o equilíbrio ecológico e o respeito à vida em todas as suas formas. Inúmeras divindades desse período têm representações teriomórficas, evocando claramente uma identificação da presença de qualidades universais em todas as espécies. O touro, o leão, a serpente, o urso e uma quantidade grande de animais são associados à deusa, numa demonstração inequívoca de que as culturas antigas conheciam e respeitavam o princípio da vida em todas as suas manifestações. As pedras sagradas, as plantas e outros elementos naturais agregados aos cultos também indicavam quão profundo era esse vínculo com a natureza.

Também na Mesopotâmia e no México antigo, eram conhecidas as influências infalíveis da regularidade dos ciclos de oito anos do planeta Vênus sobre a agricultura, e esse conhecimento era aplicado coerentemente Conhecendo o céu e a terra, seguiam o curso dos planetas e plantavam e colhiam conforme suas aparições e ocultações.

A noção do tempo como uma roda cíclica era, portanto, um eixo extremamente valioso, que organizava aquela visão de mundo. Observando o céu, convivendo com a terra, os humanos sabiam que tudo nascia, crescia e reproduzia-se, para morrer em seguida; tudo, sem exceção, morria para que o mundo se renovasse. Esse era o grande mistério da criação. E, de alguma forma, como a lua e os outros astros celestes, que cumprem suas rotas regularmente, tudo se restabelecia um dia, havendo um antes e um depois, uma continuidade indiscutível da vida, mesmo finda a duração do indivíduo.

O mundo era de fato um cosmo: céu, terra e seres humanos em unidade, movidos por uma cumplicidade em benefício da criação.

O que nos aconteceu?

"O conhecimento tem suas limitações e o sagrado tem aquilo a respeito do qual nada se pode fazer." Chuang Tzu.

A interdependência entre todos os reinos da natureza, uma verdade tão patente para nossos antepassados, é grande demais para nossos cérebros atuais. Parece que nos escapa a essência de algo muito essencial. Ou, como diz o astrônomo-antropólogo Anthony Aveni, em seu livro Conversando com os Planetas, "o que nos escapa é que maias, egípcios e babilônios acreditavam viver em um Universo animado, um ambiente interativo, pulsante, fervilhante e vibrante".

Sem dúvida, nas culturas antigas de que falamos, nem tudo eram virtudes. Havia a ganância, a pilhagem, os assassinos, usurpadores, etc. Isso é tão certo como também o é o fato de que, hodiernamente, muitas daquelas idéias sobrevivem no coração de muitos homens, talvez menos contaminados pelo utilitarismo. O que se discute é a dominância ou não desses paradigmas, num tempo e noutro. É isso que nos distingue e cava um abismo entre o que somos e o que poderíamos ser.

Tudo indica que, ao se identificar com as pulsações da Mãe Terra, através de seus mitos e ritos, nossos ancestrais pareciam menos desnorteados. O próprio ciclo do tempo representava uma bússola segura para suas vidas. Quando as coisas se passavam diferentemente dos desejos humanos, era porque estes desejos não estavam alinhados com o plano maior da natureza. Em outras palavras, os seres humanos se inscreviam simbolicamente numa ordem cósmica da qual, muitas vezes, não detinham o controle e a possibilidade de manipulação. E, contudo, mesmo assim, retinham o seu fundamento e se colocavam de acordo. O mistério era admitido e seu espaço respeitado. Os humanos reconheciam sua inserção e sua limitação, subordinavam-se a uma instância que lhes era superior. Esse sentimento impedia que se colocassem como senhores absolutos da natureza, barrando-lhes qualquer possibilidade de exagerado auto-engrandecimento.

O pensamento simbólico, que serve de código para expressar a visão mítica do mundo, unindo o ser humano ao todo da Mãe Terra, é capaz de nortear o sentido de ritmo e responsabilidade em cada um. Inserindo-se nos ritmos cósmicos, o ser humano era definitivamente integrado neste mundo, e sua vida, sua religião, todas as suas criações, tudo espelhava essa relação básica.

O uso desse tipo de linguagem simbólica, característica diferenciadora de nossa espécie, sempre teve o poder de traçar correspondências, criar pontes invisíveis onde o pensamento racional não é capaz de alcançar. Colocando-nos em correspondência com o Cosmo, permite que orientemos nossas ações em harmonia com os ritmos do todo.

Além do mais, viver simbolicamente implica em ter os olhos abertos para a multiplicidade da vida, para perceber a diversidade dos espaços e as alterações substanciais no tempo, seguindo a sinuosidade dos ritmos do Universo, encontrando mecanismos de adequação a cada estágio. Mas isso só pode ocorrer ali onde o princípio feminino ainda cumpre a sua função de manter os laços estreitos entre todos os seres, uma vez que a relação entre sua dinâmica e a da natureza é muito patente.

Para o homem arcaico, havia os mitos e ritos, que transportavam-no com segurança de um momento a outro ou presidiam as mudanças de sítios quando era necessário. É fácil perceber, portanto, como esse exercício se torna impossível na fragmentação das sociedades industriais, onde somos obrigados a viver num mundo homogeneizado, massificado pelas demandas da produção e do mercado, excluída qualquer disponibilidade para vinculações.

Algumas centenas de anos foram suficientes para que nossa espécie se assenhoreasse da natureza e do tempo. E o que fez com eles? Despojou-os de qualquer caráter sagrado, ungiu um único deus, distante do convívio de todos os seres, fora da natureza, muito além, num céu longínquo e abstrato, de restrito acesso aos eleitos. Tudo o mais foi banido como heresia e tolerado apenas como veleidades de mulheres com pouca capacidade de exercer o pensamento racional.

Dentro dessa ótica, portanto, muitos desdobramentos têm como origem a ruptura com o paradigma da Natureza, da Terra e do Feminino, enquanto entidades sagradas, capazes de servir de modelo para nossas ações. Quando podíamos acatar as leis da natureza como uma guiança, longe de ser exclusivamente uma questão de conformismo, nos aparentávamos com ela e isso nos trazia apaziguamento.

Hoje, se olharmos para nossas vidas, para qualquer ponto, mesmo que de menor importância secundária, podemos perceber o quanto nos tem custado o distanciamento da natureza, tanto sob o aspecto material, como de nosso bem-estar geral. E nos perguntamos abestalhados (que nos perdoem as bestas!): "o que nos aconteceu?" E as respostas se multiplicam sem, contudo, fornecer um resposta satisfatória, que nos conduza a uma solução. Talvez, como na história do rei ferido, do Graal, não estejamos formulando a pergunta corretamente e, só ao fazer a pergunta certa, encontraremos nossa "cura".


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